Interatividade - Textos
Memórias do Atari – O Natal de 1983 !
(por Marcus Garrett)
 

Convidaram-me - muito honrosamente - a escrever acerca de um certo tempo, a nossa meninice, que há muito se foi; os distantes anos oitenta os quais nunca estiveram tão próximos, bem como tão vivos em nossos corações.


Tenho a pretensão de discorrer sobre uma época em que as coisas eram mágicas: os beijos de nossas mães à hora de dormir, as gostosas tardes de "Sessão da Tarde", as brincadeiras com os amigos do colégio; preciosas gotas de ouro nos oceanos de nossas existências.
Definitivamente, uma época em que o céu era mais azul, os doces eram mais saborosos e a tênue ingenuidade enchia nossos corações. O Atari 2600 fez parte desse universo mágico, outrora desfeito nos meandros do tempo, contudo, esquecido jamais...


O ano era o de 1983; mês de novembro, talvez. “Devorava” as revistas especializadas em videogames e microcomputadores, como as saudosas "Micro & Video", “Video Magia” e "Micro Sistemas", dentre outras jóias daquele tempo. Era uma época deliciosa! Ficava maravilhado com os jogos de um certo Atari 2600 quando lia sobre ele nas já citadas publicações. As imagens dos jogos se mostravam muito bonitas e, em comparação ao videogame que eu possuía, um Odyssey, achava-os – aparentemente - muito mais bacanas.

Foi-me prometido um Atari 2600 no Natal de 1983. Tinha dez anos de idade à época, mas lembro-me de tudo e espero partilhar minha alegria daquele Natal mágico com todos os leitores desse texto escrito muito carinhosamente.

Havia uma locadora de videogames próxima à minha casa, na Aclimação (em São Paulo), situada à Av. Lins de Vasconcelos, no bairro do Jardim da Glória, cujo nome era "Wargames" (em referência àquele filme homônimo). Era uma locadora muito bacana e enorme - um menino de 10 anos de idade era, de fato, facilmente impressionado pelo tamanho. Lá eu vi, pela primeira vez, um Atari "ao vivo". Permitam-me corrigir-me, pois, na verdade, era um Dynavision e não um Atari. Fiquei apaixonado pela beleza do aparelho, especialmente pelo design dos controles, contudo, nunca o vira ligado; sempre permanecia desligado, estando apenas à mostra. Passei a desejar muito meu Atari e as propagandas da TV só me deixavam mais ansioso. O slogan da Atari não saía de meus pensamentos: "Atari da Atari".

Um de meus irmãos mais velhos (irmãos por parte de pai, na verdade), o Maurício, conhecia o Atari, visto que um de seus tios trouxera um dos Estados Unidos. Permanentemente me pegava extasiado ao prestar atenção às explicações dele sobre os jogos do Atari, sobre como esses eram coloridos e bonitos. Já não agüentava mais esperar pelo Natal...

Até que enfim chegara o dia de comprar meu tão desejado Atari. Não acreditava mais em Papai Noel, portanto, tive o prazer de acompanhar a compra do meu aparelho. Lá fomos eu, meu pai e meu falecido padrinho e tio, de quem me encontro deveras saudoso.

Primeiramente compramos o aparelho, adquirido no já extinto Mappin Praça Ramos, o qual outrora fora uma imponente loja de departamentos. A loja estava cheia naquele Natal, lembro-me muito bem disso. Compramos o aparelho e, infelizmente, não encontrei muitos dos jogos pelos quais procurava, porque apenas cartuchos da Polyvox estavam sendo comercializados lá. Esqueci-me de dizer: meu irmão compilara uma listinha de jogos a serem comprados, porém, no Mappin só havia cartuchos originais da Polyvox, conforme citado anteriormente. Fiquei triste por não ter encontrado jogos como River Raid e Seaquest, mesmo nunca os tendo visto ou jogado. Lembro-me de ter comprado, no Mappin, cerca de 3 cartuchos da Polyvox e Space Invaders estava no meio deles!

Contente e “desanimado” parti pela rua Conselheiro Crispiniano em busca dos cartuchos pelos quais procurava, pois ainda tinha esperança de achá-los! Lembro-me de ter entrado em duas lojas e de não ter encontrado nada. Porém, ao ter entrado na também extinta Fotóptica (tenho quase certeza de que foi lá) encontrei quase todos os cartuchos pelos quais procurava: River Raid, Seaquest, Enduro, Pitfall!; todos fabricados pela saudosa marca “Canal 3” (as caixas desses cartuchos eram muito bonitas, vistosas e coloridas - cada uma de uma cor diferente!). Fiquei muito contente, contente mesmo, pois teríamos muitos cartuchos com os quais nos divertir no Natal! Voltamos para casa, entretanto, só pude abrir os presentes na véspera do Natal, à meia-noite, conforme o costume da minha família.

Passei a véspera de Natal ansioso; andava pra lá e pra cá, ao passo que o tempo não passava... As horas se estendiam... E eu não via a hora de chegar a meia-noite! Imaginava como seriam os jogos e tomava como base os jogos do Odyssey, o videogame que possuía desde maio daquele mesmo ano...

Enfim chegou a meia-noite! Após os cumprimentos, eu e meu irmão corremos e abrimos o Atari! Foi a maior festa! Lembro-me do Maurício ter ligado o Atari no quarto do meu padrinho, numa TV de 20 polegadas! Ligamos o videogame e imediatamente começamos a brincar! Lembro-me de ter ficado maravilhado com a qualidade dos jogos! Os primeiros jogos vistos – e jogados! - foram Missile Command (vinha com o Atari) e River Raid! Jogamos um pouco e depois dormimos. O formidável mesmo começou a acontecer a partir do dia 25: ligamos o Atari no meu próprio quarto e passamos horas e horas jogando...! Lembro-me de meu irmão ter dormido em casa durante uma semana inteira (ele morava com a mãe) somente para ficarmos jogando. Ele anotava todos os recordes num bloquinho; era imbatível... Eu o invejava por jogar tão bem. Na época eu tinha 10 anos, ao passo que ele tinha 18. Maurício era muito mais habilidoso do que eu (apesar do fato de ele ter previamente jogado Atari na casa do tio).

Esse período foi mágico! As horas não passavam! Jogávamos Atari, eu e ele, durante todo o dia. O dia inteiro a apostar com ele a fim de ver quem faria os maiores recordes (obviamente, era ele quem os fazia!). Realmente, o Natal de 1983 foi mágico!

Durante o finalzinho de 83 e por todo o ano de 1984, aluguei cartuchos de Atari na já citada "Wargames". Lembro-me muito bem de que para se escolher os jogos havia uma espécie de fichário preso à parede, no qual dezenas de "fichinhas" coloridas que continham os nomes dos jogos pairavam imóveis até serem "alegremente" escolhidas por alguma criança. Eram um barato aquelas fichinhas! Essa mesma locadora também locava fitas de vídeo (no auge das fitas piratas): lembro-me de, a cada visita lá feita, ter cobiçado um pôster imenso do primeiro filme "Mad Max". Às sextas-feiras, após a volta do colégio, eu e meu pai caminhávamos até a Wargames e visávamos a alugar jogos de Atari! Era uma alegria só! Os cartuchos alugados vinham acondicionados em pequenas caixinhas plásticas pretas, muito bonitinhas e cheirosas (o cheiro do plástico era muito gostoso; nalgumas vezes pareço ainda conseguir sentir aquele cheiro!). Eu passava o final de semana na jogatina de Atari e me divertia muito...! Às vezes meus amigos do colégio visitavam-me em casa para jogarem comigo e fazíamos verdadeiros campeonatos (anotávamos os recordes nos tais bloquinhos!). Era um tempo deliciosamente gostoso e mágico... Busco palavras para descrevê-lo; ou melhor, a sensação não pode ser descrita com palavras, apenas sentida...

Poucas coisas me fazem sentir novamente a mágica daqueles tempos, reviver aquele menino de 10 anos de idade: o sorriso de minha esposa, os abraços de meus sobrinhos, os episódios de Transformers, a revista MAD e permanecer em meu “quarto de coleção”, acompanhado de todos os meus aparelhos e de meus brinquedos antigos.

Hoje em dia, infelizmente, aquela mágica se foi ou pelo menos grande parte dela. Alguns entes queridos já não estão mais comigo e a saudade é muita. Saudade, também, de ser criança... Aquela criança de 10 anos de idade que via o mundo com outros olhos...

Caro leitor, a saudade é uma benção divina, certamente, pois é algo que podemos carregar conosco para sempre, é algo que eternamente ficará em nossas memórias e em nossos corações. É devido a isso a inexistência de máquinas do tempo, pois não nos é permitido voltar a algo já vivido... Nos é permitido viver, sim, uma vez cada instante... Graças a Deus existe a saudade e existem as lembranças... Lembranças de um homem de 30anos que, freqüentemente, gostaria de voltar a ser um menino de 10... E por quê não!?

 

 

Marcus Garrett, 30, é comerciante e tradutor..